quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

 

Crônica Segunda - 13/12/2023


Era feliz e não sabia. Ou sabia?

 

Odair José, célebre artista popular brasileiro, com sua canção “A noite mais linda do mundo (Felicidade)”, escrita em parceria com Ana Maria de Barros, dizia em um verso que felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes. Não vou dizer que concordo com esta frase e nem com a frase “era feliz e não sabia”, típica de saudosistas como eu que almejam as mudanças que a vida naturalmente nos traz e depois ficam olhando no retrovisor da própria história se lamentando de não ter vivido mais intensamente determinado período da vida ou desejando poder voltar a vive-lo ou experienciá-lo com a “maturidade que tenho agora”. Bobagem.

Já, eu, se me permitem, diria que a felicidade sempre existe, nós é que precisamos aprender a enxergá-la no meio das turbulências. Nos círculos de ioga se diz que precisamos aprender ver ou sentir a bem-aventurança. Isto, porém, são outros quinhentos.

Como disse na crônica anterior, nasci e cresci num bairro típico de periferia dos grandes centros urbanos mundiais e me mudei para um bairro rural quando tinha cerca de uma dezena de anos nas costas. Há meio século, naturalmente, as coisas neste país eram bastante diversas do que hoje encontramos, tanto em aspectos materiais, quanto em aspectos sociais.

Apesar da simplicidade do bairro, no qual passei minha primeira década de existência, tínhamos à nossa disposição uma pequena rua de paralelepípedos na qual passava um carro de cada vez e de vez em nunca que desembocava num quadrilátero formando uma praça seca, isto é, sem árvores onde havia a entrada de nossa casa e de alguns vizinhos. Nesta pequena rua de aproximadamente oitenta metros, jogávamos taco e na praça maior, como não podia deixar de ser, futebol. Para quem não sabe ou para quem esqueceu, taco é uma espécie de jogo de beisebol rudimentar na qual duas equipes de dois jogadores cada se posiciona um defronte ao outro, distantes uns dez metros. Como no beisebol, um jogador arremessa a bola e o da equipe adversária tenta rebater. Se conseguir, o outro membro da dupla que arremessou. Se conseguir, os outros membros que estavam posicionados atrás dos rebatedores saiam correndo atrás da bola, caia ela onde cair. E assim vão se somando os pontos. Naturalmente o taco em questão era um pedaço de pau qualquer que pudesse ser segurado com as mãos sem grandes dificuldades.

Na rua e na escola, além do jogo de taco, brincava-se muito de queimada, brincadeira na qual havia dois grupos separados por uma linha imaginária. Quem estivesse com a bola, ou algo parecido a uma bola, deveria arremessar com toda a força para acertar, ou melhor, queimar um dos oponentes. Nas festas domésticas de aniversários regadas a tubaína, acompanhado sanduíches secos de pão de forma com algum patê, balas de açúcar e um bolo cheio de creme no qual era comum passar o dedo para dar uma lambida, as brincadeiras mais comuns eram o pega-pega, cabra cega e esconde-esconde.

Nossa casa, embora pequena, possuía um quintal com duas áreas bem distintas: uma parte acimentada em frente à porta da casa e uma parte de terra aonde até porco foi criado em uma certa ocasião. Podia-se manter um jardim, o labirinto de ferro da primeira crônica e um espaço para uma trave de futebol propício para o jogo um no gol e quantos estiverem presentes na linha, ou seja, dois times disputam a bola, mas só um goleiro participa da brincadeira defendendo os chutes de ambos os adversários. Outro jogo típico era o bobinho, modalidade em que se faz uma roda ao redor de um jogador que tenta tomar a bola dos que estão ao redor trocando passes entre si. Conseguindo, ele vai para a roda e quem perdeu vai para o centro bancar o “bobinho”. Neste quintal, além da bola, brincávamos de carrinho fazendo estrada, túneis e pontes escavadas na terra. Os personagens imaginários que dirigiam e participavam das brincadeiras eram retirados das séries que mais gostávamos, principalmente as japonesas Ultra Man e Ultra Seven. Em época que não havia carrinhos de brinquedo, fazíamos nós mesmos os carrinhos, tratores e caminhões com lata, pregos, barbantes e pedaços de pau.

Embora pudesse ter visto a copa de 1974 aos seis anos, não me recordo nada dela. Até 1978 não havia tv a cores em casa. A copa de 1978 foi a primeira a ser transmitida a cores. A embalagem do são em pó OMO trazia a reprodução das camisas das seleções e eu tentava comparar com as cores da televisão. Toda copa do mundo tem um atrativo enorme aos garotos. Esta não foi diferente. Aumentamos o interesse pelo futebol como era de se esperar. O maior desejo da garotada mais humilde era ganhar um tênis Kichute, que era a chuteira mais acessível do mercado, embora não fosse exatamente uma chuteira de futebol, mas tinha os cravos e era feita de borracha com tecido e bico reforçado.

Em certa ocasião, economizamos um pouco de dinheiro vendendo ferro velho para comprar uma bola de capotão, bola de couro do tipo oficial com gomos pentagonais. Era o supro sumo. Durou pouco pois foi picotada pelo vizinho da igreja quando jogávamos na quadra e a bola caiu no seu quintal. A tradição era passar sebo de vaca na bola para amaciar o couro. O sebo a gente pegava no açougue. Depois de alguns dias fazendo isto, ela estava pronta.

O amor ao futebol, nesta época, também criou a ilusão de que nós, meu irmão e eu, poderíamos ser jogadores de futebol. Joguei nos times da escola o futebol de salão. Como era e sou baixinho, na hora de escolher os times, eu sempre me juntava aos menos dotados da aula de educação física. Joguei no gol em um campeonato da escola e, embora tenhamos perdido todos os jogos, eu era vazado no máximo duas vezes a cada partida. Em uma ocasião nosso pai quis levar na peneira do São Paulo, lá no Morumbi. Estava me achando. Fazia caras e caretas na escola. No final, fomos até lá e a peneira não aconteceu. Não houve uma segunda chance.

Algum tempo antes, entre 1974 e 1975, nosso pai comprou dois jogos de futebol de botão, o que viria a ser uma febre entre nós e os garotos vizinhos. Um dos jogos, o do Corinthians, ficou para mim e o outro, do São Paulo, foi para o meu irmão. Para estes times torcemos desde então, eu corintiano e meu irmão são paulino. Até hoje não entendo por que meu pai, sendo santista nos deu estes times. Imagino por ser porque ele não era muito ligado no futebol. Com estes botões jogamos muito. Como não tínhamos o campo de madeira, conhecido como estrelão, eu riscava a giz o campo no piso de casa usando as medidas proporcionais dos campos de futebol oficial. Segundo o manual do Zé Carioca, que fazia parte de nossa coleção, o campo oficial teria as medidas mínimas de 45 X 70 metros e máxima de 90 x 120 metros. Sendo assim eu usava a proporção de 1/100, ou seja, meu campo tinha 1,20 metros por 90 centímetros.

Jogámos botão também usando tampinhas de garrafa. No final dos anos 1970 e até o começo dos 1980, a Coca-Cola lançou, em seus refrigerantes, a estampa dos personagens da Disney na parte interna das tampinhas. Viramos colecionadores destas tampinhas e fazíamos times de futebol de botão com elas: Fanta laranja, Fanta uva, Fanta limão, Coca-Cola. Como éramos apaixonados pelos personagens da Disney, estas tampinhas eram perseguidas nas ruas, na hora de ir à padaria ou bares, em qualquer lugar. Quando podíamos tomar o refrigerante, a garrafa era aberta com o máximo de cuidado para não amassar a tampa e assim preservar a figura intacta.

Da coleção literária, além dos gibis da Disney, tínhamos também os manuais do Zé Carioca, como mencionado acima, com tudo sobre futebol, o do Peninha que abarcava o mundo da imprensa, o do Tio Patinhas que tratava do mundo do dinheiro, do professor Pardal que versava sobre invenções, da Maga e Mim que tratava das feitiçarias e o Manual do Escoteiro Mirim.  Havia outros manuais que nós não tínhamos. Estes manuais podem ser comprados ainda, mas não sei se atualizados ou não.

 

Voltando às brincadeiras na rua, nosso pai não permitia que ali ficássemos sob hipótese alguma, apesar da tranquilidade do local e da facilidade de se vigiar, a partir do muro de casa, o que estaríamos aprontando. Fossemos pegos na rua, a conversa seria com a chinela ou a cinta na mão. Porém, entre 1978 e 1979, durante uma crise no casamento, ele ficara fora de casa por um período, o que representou uma época de festa para meu irmão e eu. Começamos a frequentar a praça para jogar bola com a molecada, principalmente ao final do dia e à noite durante o verão. Acendíamos as luzes das casas ao redor da pequena praça e nos divertíamos. A bola era algo sempre capenga, sempre ruins. Quase qualquer coisa poderia ser uma bola. A que eu mais lembro era uma branca de plástico grosso, pesada, murcha, mas com uma certa consistência. Curioso como não me esqueço desta bola. Tenho a sua imagem nítida na memória.

Nesta pequena turma que brincava mais junto havia o Marquinhos, morador da mesma época que nós e o Vitor com seus irmãos Paulo e Bitré ou Biré, que eram recém-chegados. Segundo o Vítor e o Paulo, o apelido Bitré teria origem na mania do irmão mais novo de comer as cacas do próprio nariz que, na terra deles, lá para as bandas das Minas Gerais, tinha este nome popular que dera apelido a ele. Seu nome de verdade eu nunca soube. A turma era pequena pois havia poucas crianças de idade próxima ao redor e as turmas das outras ruas não se misturavam muito. A gente ouvia falar da turma da outra rua como se formássemos guetos que se protegessem em momentos de desentendimento, mas nunca houve nenhuma ocorrência neste sentido.

Esta turma rendeu muita alegria e muita briga. Brigas mais entre os irmãos e discussões acaloradas a respeito das rivalidades futebolísticas, afinal o Marquinhos era palmeirense e o Corinthians estava num momento de baixa.

Em meados dos anos 1980, nosso pai decidiu que, para retomar os laços conjugais e familiares, o melhor seria mudarmos de lá para não sermos o foco da “maledicência” dos vizinhos. Juntamos o Vitor, o Paulo e o Bitré para contar a novidade e prometemos que voltaríamos com uma certa frequência para visitá-los e manter acesa a chama da amizade. Balela das maiores. A mudança planejada pelo nosso pai nos levou ao distante bairro de Parelheiros, extremo sul da Capital, praticamente nos isolando por lá, o que provavelmente combinaria perfeitamente com a vontade do velho em manter suas atividades paralelas longe dos olhos familiares.

Esta época foi marcada por estes momentos felizes em meio aos momentos de tristeza pois o velho era muito rígido com meu irmão e eu, disciplina quase militar. Tirando, porém, o que está ruim, tudo fica bom. Não é? Tenho saudades destes momentos, mas gostaria de revê-los em um filme na minha tela mental com maior nitidez, sem desejar necessariamente voltar o tempo.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Crônica primeira

Em alguns lugares do passado

Autoria: Eder Francisco                                                                                  Novembro de 2023

 


Cerca de 1972, meu irmão Silvio e eu, mais alto à esquerda da foto, no labirinto de nosso quintal no bairro Jardim São Luiz, mais precisamente na Vila Palmira no distrito de Capela do Socorro, embora seja mais conhecido erroneamente até hoje como parte do distrito de Santo Amaro .

 

Sem querer, querendo, entrei neste negócio de música desde a mais tenra idade. Influenciado por minha mãe, que fora cantora de rádio quando morou em Birigui no interior de São Paulo. Isto foi na época das calendas, lá entre o final dos anos 1950 e meados dos 1960. Naquela época rádio se fazia ao vivo. Inúmeros cantores, cantoras e instrumentistas, anônimos em sua maioria, passavam o dia nas rádios fazendo números ali, na hora, sem playback, apresentando repertório das canções e artistas que estavam na boca do povo.

Tempo passou, ela conheceu meu pai em Araçatuba, cidade ao lado de Birigui. A família dela, que já havia feito o traslado em pau de arara no final dos anos 1930 da Bahia para o interior de São Paulo, acabou se mudando para a capital. Meus pais acabaram se casando aqui. Meu irmão e eu nascemos na metade dos anos 1960, sendo eu o segundo da família.

Uma lembrança muito forte da primeira infância, já adentrando os anos 70, era de ficar ao pé da máquina de costura de minha mãe ouvindo-a cantar enquanto trabalhava na sua honrosa profissão que ainda aos 83 anos, lhe dá sustento. Ali, ao redor, ficávamos meu irmão e eu a brincar e brigar, como cai bem entre dois irmãos de idade próxima, enquanto a ouvíamos pedalar a máquina manual cantando seu repertório que incluía canções de sua época de cantora com as do rádio da época. Como memória afetiva desta época, ainda guardo em mente as canções Colcha de Retalhos e Índia que foram gravadas pela saudosa dupla Cascatinha e Inhana e as canções de Clara Nunes “Conto de Areia” ou “O mar serenou” que faziam e fazem parte do repertório dela até hoje.

Fato curioso, até três semanas atrás eu nunca havia me empenhado em pegar o violão para tocar com minha mãe. Isto se deve ao fato de eu ter saído de casa aos 18 anos para justamente me dedicar à música uma vez que havia um desentendimento familiar em relação a isto, e talvez porque este universo musical tenha sido preconceituosamente renegado por mim ao longo dos anos. Paguei minha dívida em uma visita a Ribeirão Preto, onde ela mora, no feriado de Finados deste ano de 2023.

Voltando aos anos de chumbo, como é conhecida aquela época, não havia rádio FM sendo que som que ouvíamos vinha de um velho rádio, sintonizado em AM. As rádios mais populares à época eram a Record, América, Bandeirantes e Globo com seus apresentadores que marcaram época no rádio brasileiro, Zé Bétio, Eli Correa Barros de Alencar e Gil Gomes com seu programa policialesco narrativo. Acordávamos ao som do programa do Zé Bétio gritando “Vamo levantá, vamo levantá. Olha a hora, olha a hora”, se apresentando ao som da canção Quem é? de autoria de Silvinho e famosa na voz do saudoso Aguinaldo Timóteo, ao que ele respondia, cortando a gravação após frase que dá nome à música, “é o Zé Bétio” ou, ainda, mandando jogar água no marido e aconselhando o uso de Tira Álcool para acabar com vício na maldita.

Eli Correa com sua dramatização de casos populares de amores, fracassos e desilusões também deixou marcas. Tinha o seu famoso bordão “ooooooi, genteeeee!”. Tudo muito caricatural. Na Rádio América ouvíamos os programas América dá o Bis, tocando duas vezes sem seguida cada uma das músicas apresentadas e, diariamente ao meio-dia, um programa dedicado ao rei: Roberto Carlos Especial.

Roberto Carlos era o mais famoso cantor popular brasileiro já a partir de meados dos anos 1960 e era presença constante na televisão, no rádio e no cotidiano das pessoas pois, como disse André Midani, diretor por décadas da Polygram, a música destes artistas considerados bregas trazia enormes lucros para as gravadoras pois eles falam a linguagem do povo e aquilo que o povo quer ouvir, tocando em assuntos e situações que são inerentes a todos nós em nosso íntimo: o amor, o descaso, a dor da perda, a derrota a vitória. Poderia escrever uma outra crônica sobre os textos das músicas consideradas bregas e/ou de cantores bregas uma vez que há inúmeras pérolas como a canção “Cadeira de rodas” gravada por Fenando Mendes que versava sobre o amor, referindo-se à “aquela uma menina da cadeira rodas”, provavelmente “de menor” (hoje poderia ser acusado de pedofilia) pela qual ele se apaixona e vice-versa ou “Secretária da beira do cais”, gravada por César Sampaio e que contava a história de uma moça que veio para a capital estudar e trabalhar, mas acabou enrustida da família num obscuro trabalho à beira do cais. Nos primeiros versos, a canção diz:

Ela espera e não desespera na beira do cais
Ela quer quem vier, quem trouxer, quem der mais
Ela sabe que os homens de branco estão prá chegar
E em câmara lenta ela tenta a vida ganhar
 

A MPB de grande qualidade, no entanto, tinha uma força muito grande nos meios midiáticos brasileiros. As gravadoras eram muito fortes, apoiavam e faziam esforços gigantescos para apresentar os grandes expoentes da música nacional. Afinal, vender LP’s davam muito lucro. As pessoas compravam mesmo e, ainda que os artistas pudessem reclamar de contratos mais favoráveis às grandes corporações, estas mesmas corporações promoviam megaeventos com grandes nomes que ainda hoje atuam no cenário artístico nacional. Eram comuns os grandes shows de artistas brasileiros no Anhembi, Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo e, igualmente, em outras capitais. Assistia-se igualmente aos artistas de apelo mais popular na televisão, mas era normal assistir a Elis Regina, Gilberto Gil, João Bosco, Secos e Molhados, Rita Lee, Novos Baianos, entre outros, em programas como Fantástico e Programa do Chacrinha. No campo da música erudita, o maestro Isaac Karabtchevsky marcava ponto no programa Concertos para a Juventude, pasmem, na Rede Globo no domingo de manhã.

Contudo, meu interesse pela música, iniciando-se neste ambiente, voltou-se, em primeira instância, para ser cantor de música brega. Me imaginava indo aos programas de calouro que existiam e que ainda resistem nas tardes de bode dominical. Os programas do Silvio Santos, Bolinha e Raul Gil eram os principais. Na média, estavam presentes na casa da maioria dos brasileiros aos sábados e domingos à tarde. Pensava que um dia teria de me apresentar em um destes. Também me imaginava, olhem só, pedindo ao apresentador, no caso imaginava o Silvio Santos, me avisando a hora que deveria começar a cantar, já que achava que não teria a percepção auditiva necessária para perceber com clareza o momento certo de entrar...

Em casa havia um violão da pior qualidade que meu pai ganhou em alguma rifa de bar. Pintura avermelhada com toques de preto e uma rosácea ao redor da boca feitam em material tosco imitando um marfim. Foi com este violão que meu pai me levou às aulas de um velho professor no bairro. Durou pouco, talvez dois meses. Acabou quando ele pediu aumento da mensalidade. Na minha época de garoto, quem começava a ter aula de violão e acho que qualquer outro instrumento, o professor só iniciava as aulas depois de comprado material que, no meu caso seriam um caderno de música, o livro Escola de Tárrega, o livro “Curso de Leitura Rítmica Musical” de Samuel Arcanjo e o livro “Método de Violão” de Fernando Azevedo. Havia um desconhecimento completo de minha parte do que seria violão tocado dedilhado. Na primeira aula, lembro até hoje passados cerca de 50 anos, que fiquei impressionado com aquelas formigas desenhadas no papel e disse ao professor que pensava que violão só se tocava “assim” fazendo um gesto de quem dá batidas com a mão ou com palheta sobre as cordas do instrumento sem se preocupar com leitura musical.

Acabei voltando o interesse genuíno pela música entre os 13 e 14 anos de idade, mais precisamente em 1981. Naquela época comecei a estudar em outro bairro. É curioso como os bairros podem moldar a personalidade das pessoas ou as pessoas podem moldar a personalidade de um bairro. Os primeiros dez anos foram passados no longínquo bairro de Capela do Socorro, mais precisamente no Jardim São Luís com todas as características e carências dos bairros periféricos das grandes cidades. Dos 10 aos 18 fui para mais longe, ao sul da cidade, porém num bairro rural com lagos, montanhas florestas etc. A partir dos treze passei a estudar em Interlagos, um bairro mais organizado com casas bonitas, ruas asfaltadas e gente mais “antenada” mais “cool”, mais “antenada” e com um leque cultural maior. Com isto, acabei saindo do universo da música brega que, não me perguntem por que, permeia mais acentuadamente os bairros mais “humildes”. Meus novos colegas de classe eram roqueiros e, naturalmente, mas sem o peso que se dá a isto hoje em dia, passei a sofrer um bullying amigável por conta dos meus gostos musicais e da pouca diversidade cultural que apresentava em minhas colocações. Me enturmei, comecei a gostar de rock, como eles, e decidimos formar uma banda. Cada um foi estudar, já que ninguém tocava nada. Para encurtar a história e depois recomeçar deste ponto em outra crônica, somente eu continuei os estudos de guitarra, passando e me apaixonar em pouco tempo pelo violão clássico no qual estou embrenhado até hoje. E lá se vão pouco mais de quatro décadas...

 


terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Tour pela Espanha 2018/2019

Segunda Jornada
Valência, Villa Real

Nossa jornada turística e cultural nos levou de Albacete em Castilla-La Mancha à Comunidade autônoma de Valência com o objetivo primário de visitar o Museu da Cidade Casa de Polo na pequena cidade de Villa-real ou Villarreal aonde há um espaço dedicado ao violonista espanhol Francisco Tárrega e também a mais três artistas locais mas de fama internacional: os pintores José Gumbáu (1907-1989) e Gimeno Barón (1912-1978) e o escultor José Ortlels (1887-1961).
Francisco de Assis Tárrega Eixea nasceu em Vila-real em 21/11/1852 e faleceu em Valência em 15/10/1909. Em 20/12/1915 seus restos mortais foram trasladados de Barcelona ao Cemitério de Castellon distante cerca de dez quilometros de Vila-real. 
Tárrega foi um dos principais mestres do violão do período denominado romântico e participou efetivamente na transição do modelo de violão romântico que fora utilizado por nomes como Napoleón Coste, Mauro Giuliani, Dionisio Aguado e Fernando Sor, artistas da geração anterior e datados entre o final do século XVIII e meados do século XIX, classificados como clássico-românticos, para o violão como conhecemos hoje. Isto no que diz respeito ao tamanho, design e engenharia de construção e também à estética musical. Deixou uma legião de seguidores e esta legião cirou o que veio a ser conhecido como Método de Tárrega ou Escola de Tárrega. Sua obra faz parte do repertório de todo violonista, seja concertista ou estudante.
No centro de informação turística, ao lado da Basílica de São Pascual Baylón, há uma placa que assinala aquela casa como o local de nascimento de Tárrega. Sua mãe trabalhava junto aos sacerdotes desta basílica na época em que Tárrega nasceu.
Poucos dias antes de nossa visita havia acontecido o Mês Tárrega (21/11 a 15/12/2018) com inúmeras atrações ligadas ao grande mestre do violão.
O site do museu pode ser acessado aqui: Museu de la ciudad Casa de Polo. No Museu dá para adquirir algum material sobre Tárrega. De lá trouxemos o livro Memória gráfica de Tárrega de Onofre Flores Sacristán e Salustiano López Orba repleto de imagens e recordações gráficas da vida do compositor.
Seguem algumas fotos da visita.












Valência foi uma das melhores surpresas da viagem. Cidade grande e capital de região autônoma que leva o mesmo nome tem uma região central fascinante e extremamente bem preservada. Fácil de se locomover e seguro à qualquer hora. Tem diversão para todos e, ao menos nesta época e durante a noite, ruas sem carros aonde os pedestres se divertem tranquilamente. Bares e restaurantes à vontade e a tradicional horchata, bebida feita à base de chufa e não ácoolica e que vem acompanhada de fatós (biscoito em forma de bastão), completa a festa.
Valência tem a tradição de ensino de canto bastante forte tendo sido o conservatório local criado para suprir esta demanda. A comunidade valenciana também deu à luz a inúmeros artistas da música clássica, sejam violonistas ou não. Além de Tárrega temos Daniel Fortea e Pascual Roch, para citar apenas dois. Oscar Esplá e Vicente Ascencio que também deixaram obrtas para violão ali nasceram. Há uma imprensa oficial que publica obras de artistas, pesquisadores, cientistas e afins e que tem uma loja no centro. Ali compramos La Guitarra Clásica en La Comunidad Valenciana - Siglo XX de José Lázaro Villena e Matheo Flecha - Los Villancicos de Maricarmen Gómez y John  Griffiths. 
Flecha, importante compositor do Rensacimento, nasceu próximo ao que hoje é fronteira entre França e Espanha e foi mestre de capela na Catedral de Valência entre 1526 e 1530.
Como estávamos em época de festas ouvia-se apresentações musicais em vários lugares ao mesmo tempo como, por exemplo, dentro de uma basílica e na praça em frente simultaneamente. Várias formações corais e de todas as idades podiam ser encontrados ao longo do dia e da noite.

Horchata, fartós, chocolate e buñuelos. As sementes são as chufas de onde se extrai o líquido (leite), para a preparação da horchata.






Algumas imagens de Valência

















segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Tour cultural pela Espanha 2018/2019 - Guitar, Music and Poetry

Tour pela Espanha 2018/2019

Em 15 de Dezembro de 2018 desembarcamos em Madri, minha esposa e eu, para um giro pela Andalucía, principal foco da viagem, mas também visitar locais, museus, casas, acervos e afins relacionados ao violão e ao poeta Federico Garcia Lorca. Desta forma estavam previstas passagens pelo Museu de la Ciudad Villa Real (Valência), aonde há um espaço reservado ao violonista Francisco Tárrega, Museu de la Guitarra na cidade de Almería, com espaço dedicado a Antônio Torres, cidade de Vera, por motivos familiares e por ser a cidade natal de Torres, Linares aonde há a casa museu Andrés Segóvia, Casa de la Guitarra em Sevilla e Casa de Manuel de Falla em Granada. Fora outras coisas que poderiam surgir como espetáculos de música local (flamenco ou não) e demais surpresas pelos caminhos, ainda havia as visitas poéticas às casas de Federico Garcia Lorca em Fuente Vaqueros, Villarubio e ao museu a ele dedicado em Granada.
Em meio à turbulência positiva dos encantos turísticos ainda programamos aulas no Conservatorio Superior de Música Castilla La-Mancha, em Albacete e no Conservatorio Manuel Quiroga na cidade de Pontevedra (Galícia) no norte da Espanha sendo o concerto em Albacete num local bastante exótico chamado Casa Vieja e o concerto em Pontevedra exclusivo para os alunos do conservatório.
Como a viagem teria longa duração, quarenta dias aproximadamente, resolvemos não levar os violões optando por emprestar dos amigos Pedro Jesus Gómez Lorente e Miguel Angel Valle Gutierrez, professores em Albacete e Pontevedra respectivamente e de um dos alunos do Pedro.
Na soma final, foram 27 cidades visitadas, sendo duas em Portugal, objetivos atingidos e algumas surpresas pelo caminho.
Neste relato focarei apenas nos aspectos culturais: roteiro guitarrístico e poético.


Primeira Jornada
Castilla La-Mancha: Albacete

Em Albacete oferecemos aulas aos alunos do Conservatorio Superior de Música Castilla-La Mancha aonde nosso amigo Pedro Jesus Gómez Lorente dedica-se ao ensino de cordas dedilhadas, violão e instrumentos antigos como guitarra barroca, vihuela, etc. e divide as atividades com o professor  Juan Carlos López Segura.
Os alunos são do curso superior e o repertório abrangia obras de Brouwer, Barrios, Villa-Lobos e Gnattali. As aulas foram no sistema de masterclass. Os alunos apresentaram, em geral, bom domínio msucial das obras embora a maioria estivesse em contato com as peças há muito pouco tempo. A atenção e o respeito demonstrado chamaram bastante nossa atenção bem como a estrutura geral da escola que disponibiliza excelentes instalações. Nosso amigo e seu colega também nos deram respostas bastante positivas quando a nosso trabalho. De nossa parte a satisfação foi completa.






Ainda em Albacete tivemos a oportunidade de tocar em um local que é uma espécie de clube cultural chamado Casa Vieja. É toda decorada com objetos e móveis antigos sem nenhum padrão estilístico. Um local inusitado. Tocamos um repertório brasileiro que incluia a Suíte Retratos de Gnattali, Nazareth, Carlos Gomes, Guarnieri e Marlos Nobre. De bis Dilermando Reis.










Um dos planejamentos que não deram certo pela distância e logística foi a visita à lutheria de Vicente Carrillo, importante contrutor de guitarras espanhol cuja família produz instrumentos desde o século XVIII. Ele está estabelecido em Casasimarro na província de Cuenca. A família tem uma história linda que pode ser acessado no link do próprio luthier Vicente Carrillo.
Por casualidade ele tem uma loja em Albacete aonde pudemos experimentar alguns de seus ótimos instumentos e admirar algumas das fotos da família. A senhora que aparece abaixo construindo violões é Gabriela Casas Fornier (1928-2005), mãe de Vicente e que tomou os negócios da família após a morte prematura de seu marido Vicente Carrillo Cantos em 1962. Na loja fomos atendidos por sua neta que já faz parte dos negócios familiares.






A região de Castilla La-Mancha é famosa por ser a terra de um dos maiores personagens da história da literatura mundial, aliás, um não, dois personagens: Don Quijote de La Manhca e seu fiel escudeiro Sancho Pança. É uma região de clima árido e longas planícies desertas. Muito semelhante ao semiárido brasileiro ou mesmo o sertão mais profundo. A personalidade séria e introspectiva é parte constante da descrição do tipo local assim como é a do nosso nordestino: antes de tudo um forte.
Mas, apesar da aridez, guarda tesouros impressionantes de eras mais remotas como os tempos em que os mouros habitaram o local. Há vestígios desta cultura e da cultura romana espalhados pela região como em Chinchila, povoado perto de Albacete, ou Alcalá del Júcar e Joruqera também próximas à cidade de Albacete. Seguem três fotos destes locias.





Albacete é uma cidade bastante estruturada e organizada na qual tudo pode ser feito a pé, ou quase tudo. Segurança total, ótimos restaurantes e bares e está a meio caminho entre Madrid e Valência. O trem de alta velocidade faz o percurso em 1h30 (Madrid-Albacete).








 

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Concerto no Teatro Décio de Almeida Prado 26/10/2017

Quinta-feira, 26 de Outubro de 2017 o Duo de violões Rosimary Parra e Eder Francisco realizou um concerto no Teatro Décio de Almeida Prado no bairro o Itaim em São Paulo. A curadoria desta programação esteve a cargo do maestro Sérgio Igor Chnee.

O programa apresentou obras originais e transcrições para duo de violões dos autores espanhóis Fernando Sor (1778-1839), representante do período clássico- romântico, Isaac Albeniz (1860-1909), Enrique Granados (1867-1916) e Manuel de Falla (1876-1946), representantes da chamada escola Nacionalista daquele país, e dos autores brasileiros Ernesto Nazareth (1863-1934), João Pernambuco (1883-1947) e Carlos Gomes (1836-1896, autênticos representantes da estética musical brasileira.


Enrique Granados (1867-1916)         Dança Espanhola nº 2 – Oriental
Tema popular espanhol (anônimo)    El Paño Moruno
Tema popular espanhol (anônimo)    El Puerto
Issac Albéniz (1860-1909)                Rumores de la Caleta (Malaguenha)
Manuel de Falla (1876-1946)            Cancion del Fuego (Amor brujo)
Manuel de Falla (1876-1946)             La vie breve – Primeira dança espanhola
Fernando Sor (1778-1839)                 L’Encouragement – Fantasie
Ernesto Nazareth (1863-1934)           Tenebroso
Ernesto Nazareth (1863-1934)           Brejeiro
Carlos Gomes (1836-1896)                Suíte Quilombo – Cayumba
                                                                                          Bananeira
                                                                                          Quimgombô
                                                                                          Bamboula
                                                                                          Final


Trechos do concerto e a íntegra encontram-se na página de Audio & Vídeo

sábado, 30 de julho de 2016

Manifesto - Final Article - The Place of Music in 21st Century Education

I am a classical guitarist with a large knowledge of popular music such as pop rock and Brazilian traditional popular music (samba, bossa nova, choro, etc.). I made my studies back in the 80’s and 90’s with some of the most important teachers from my country and from abroad.

In those years the access of technology was restricted to some people and the technology we had in hands were completely analogic and encompassed music played in radio stations, long plays (vinyl records), tapes and clips on the television. We still hadn’t the VHS system and buy records was expensive. When we wanted to play one pop song we had to wait until occasionally listening to it on a radio station, then record it on a cassette tape and try to find the chords and how to sing it by listening. The other way was wait until the next publication on a specialized magazine that would bring the chords and/or tablatures.

In the last two decades, with the easy access to new technologies and the Internet, all of these tasks became unbelievably easier. I incorporated the use of programs addressed to write music like Encore or Sibelius and started to use them to write my own ideas of exercises, methods, transcriptions and editions of music.

In my work as teacher these tools represent a central role once I easily find the songs my pupils want to play, print them from specialized web sites and use YouTube tutorials and/or official or cover videos of the songs to learn them faster. As a democratic view I use the same videos with my students too and encourage them to be more independent about what they want to learn or practice researching on the same resources.

As a complement for my work I aim to make my own tutorials and sessions of lessons on how to play guitar without a formal method and lessons addressed to pop guitar players, acoustic or electric, with technical approaches used in classical guitar which could be helpful for their development without the exhaustive use of scores and with the hope that anyone without reading music ability can engage in.

I have already made some of these videos addressed to one or other of my pupils as a model for the songs they are learning. It is an easy task and can be made at home with simple devices like a Zoom HD Camera or even a mobile phone.

Another area that I have been experiencing and want to give more attention in my guitar lessons is the improvisation. Not the improvisation imagined in jazz or rock but just the freedom to create little melodies or create a song with the chords and elements that the pupils have already mastered. It may be a sequence of chords with or without singing and also previous known sequence and melody but using other text created by them. In this case, having fun is fundamental I believe.

In my view, music education, specially playing an instrument, must have as main objective to provide interest in the students and fast response. By fast response I mean to make the student play a song or two in the first lesson, even if it is a one chord song or a simple melody with one, two or three notes. We need to avoid what may seem to them boring technical exercises and choose the repertoire in accordance with they need to develop musical and technically. Most of our nowadays students don’t play with professional objectives. Rather they want to have fun and we must fulfil this will. On the other hand, they don’t have enough time to practice so the lesson must be very practical and incorporate in large scale music making, interest and fun.

I believe teachers must be open minded to contemporary repertoire including both popular and classical music and, with this in mind, learn how to explore any kind of music experience or particular students’ interest to work on music elements such as form, rhythm, harmony, melody, etc. and develop the skills that may be necessary to their purpose in music education. 

Having said that I must say that I am very confident in traditional music methodology used in the past but teachers must have the feeling to filter the students who might want to follow a professional path to work with them using these traditional methods and methodology. As we all know to be a top professional player of any kind of instrument and approach the western classical music and repertoire properly it is necessary to follow a vast and rigid list of methods, exercises and works from all periods. In addition, the amount of time and discipline dedicated to it must be vast too.

To finish my thoughts, I must say that sometimes the methodology may be more important than the method itself. By this I mean that I encourage my students to develop their own exercises or ways of practicing their difficulties rather than always appeal to a written method. I try to show them how too quickly learn and practice chords or how to develop their fingers abilities and independence without the use of, what may seem for them, a daunting sequence of methods.